sábado, 26 de novembro de 2016

“O amor morreu?”


Eu não queria ir. Você também não. E nenhum de nós dizia a palavra que emergia entre os dentes, nos olhares rápidos. Não existia mais nada, nem da minha parte, nem da sua. Mas eu não tinha coragem de ficar sem tua presença – você também não. Não era mais quente, nem urgente e eu não sentia a mesma alegria quando o seu carro soava rouco em minha calçada.  Você já não vinha depressa em uma quarta feira a noite, deixava seu time, debaixo de chuva, no transito caótico, para me dizer palavras bonitas, enquanto eu sentia o universo inteiro de emoções turbulentas.
Não era mais a mesma coisa e estaria mentindo se dissesse que esperava que fosse. As coisas mudam, eu sei. Há picos e poços, e eu já sabia antes de entrar nessa, ok? Mas sempre há algo que pulsa, mesmo no fundo do poço, de rosto virado,  depois de uma briga feia e um monte de palavras chulas, sempre há algo que lembra o tempo inteiro que é amor. E é por isso que você perdoa. Por isso você esquece atraso, esquecimento e sorri novamente, mesmo que seja torto, para ainda não admitir a falta de mágoa. 

Mas já não pulsava mais nada, nem em você, nem em mim... Não havia se quer uma frase solta que lembrasse resquício de amor. Era um incômodo-cômodo bilateral. Porque é bom ter alguém para te levar no parque em um sábado a tarde, é bom ter com quem dançar, é bom ter alguém que possa apresentar como sua/seu, é bom ter alguém que te faça um cafuné perdido no meio da madrugada, é bom ter alguém para olhar nos olhos e perceber a  cumplicidade, alguém que saiba dos seus medos, alguém de quem você não precisa se esconder... Mas alguém que você ame, acima de tudo. Porque o parque fica cinzento sem amor, porque não há música que agite seus músculos, se não houver amor. Porque possessão já não te faz feliz, porque o cafuné é frio, o olhar nublado,  porque já não há amor para te fazer vencer os medos, porque você se esconde o tempo inteiro com medo de constatar a morte do sentimento... E você não sabe dizer a palavra que está atravessada na garganta, porque não há língua que traduza. E não sabe dizer “não” porque sabe que machuca.  E continua insistindo,  sorrindo amarelo,  tentando fazer com que algo – que você não sabe dizer direito o quê, nem onde – volte a pulsar. E que seja novamente daquele jeito desenfreado e que consuma suas energias todas, que te faz sorrir para os cachorros na rua e fazer planos, que te faz abandonar tudo,  esquecer a hora do salão, pra chorar com ele a final de campeonato perdida – mesmo que para você não faça sentido.- E é por isso que você deixa a palavra atravessada na garganta, porque o amor pode até ter morrido, mas a esperança, não.

Um comentário:

  1. Tanto pudor, tanta delicadeza e ternura para dizer algo que outros diriam aos gritos e xingamentos ! Um texto perfeito, uma página da melhor literatura. A autora está de parabéns. Queremos ler mais textos desta qualidade !

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