Amor próprio por Pe. Fábio de Melo - 29/03/2015

Trecho retirado do show realizado na praça Castro Alves, Salvador - BA. 

Amor próprio: a capacidade que a pessoa tem de olhar para si mesma, de reconhecer as misérias que tem e as belezas que possui, e amar-se.

Eu como padre, na minha oportunidade de ouvir dos bastidores das pessoas, eu cheguei a conclusão que o grande problema que a gente enfrenta é a falta de amor próprio. Quando a gente deixa de se amar, a gente abre as porta para tantas coisas ruins em nossa vida. Observe você, observe a sua: aquilo que mais lhe fez sofrer, aquilo que foi mais desgostoso na sua história. E pode ter certeza que em muitos momentos difíceis da nossa história, a porta que foi aberta para que aquelas coisas ruins acontecessem, foi a  falta de amor próprio.

Quando a gente não se ama, a gente se vicia, a gente se prostitui, a gente não se cuida, a gente perde a saúde. Quando a gente odeia, quando a gente guarda aquela mágoa no coração, aquele rancor, isso é falta de amor próprio. Eu nunca vi uma pessoa ser feliz por odiar. Eu nunca vi o ódio fazer feliz uma pessoa.  “Ah, mas ele me magoou demais , padre!” eu sei, eu sei que você já muito magoada na vida. Mas, quando alguém nos magoa, alguém nos machuca, a gente tem duas opções: a primeira, a gente vai se vingar para ser feliz alguns dias. Você fica com aquela sensação boa da vingança, né? A segunda opção, você perdoa para ser feliz a vida inteira, não somente um dia. A vingança vai lhe dar o prazer de alguns dias, o perdão vai lhe dar o prazer de uma vida inteira. Sabe porque? Porque quando você perdoa, não significa que você vai voltar a ter aquele mesmo relacionamento, não estou falando disso, porque que as vezes a gente tem o direito de retirar pessoas da nossa vida, porque a gente sabe que não dá mais certo. Ela fez mal a gente, a gente fez mal a ela. Toda vez que a gente se ajunta, dá confusão. Então você tem o direito de amar de longe.  Tá bom, a gente sabe que existem limites entre nós.  E você mantem aquela distância saudável, sabe, a do amor próprio. Só que aí, quando você toma essa decisão, você está tento um pouco de respeito com você mesmo. Porque, ao jogar fora o rancor, você está desocupando um  espaço para que o amor chegue. Porque o amor e ódio não ocupam espaços diferentes dentro do nosso coração, eles ocupam o mesmo lugar. É como se você usasse o espaço da sacola para guardar um monte de tranqueiras e deixar aquilo que é especial, que você precisa levar. É igual arrumar a mala: quando você vai arrumar a mala, precisa levar o que é essencial, não é? Vai ficar dez dias longe de casa, você faz de tudo para caber o que é essencial. Você não pode encher de tranqueira. Seu coração é a mesma coisa: se você guarda as tranqueiras da vida, se você guarda os amores estragados que te deram,  se você guarda os ódios que sobraram dos seus relacionamentos, você está declarando a você mesmo de maneira muito silenciosa que você deixou de se amar... quando a gente guarda um passado que não valeu a pena, quando a gente guarda os nossos erros e fica colecionando e se culpando pelos erros que cometeu é igual colecionar cheque sem fundo. Imagina você colocar todos os cheques sem fundo que você já levou na vida lá na parede, para que de vez enquanto,  você aponte e sinta a raiva novamente “olha lá, ó, aquele filho de uma égua!” não é assim? Isso não traz saúde para ninguém.

É por isso que quando Jesus encontrava as pessoas,  o primeiro gesto que ele realizava era devolver amor próprio ao coração delas. Porque quando a gente tem amor próprio, Deus tem a oportunidade de crescer dentro de nós. O diabo faz a festa em quem não se ama.

Quando Jesus encontro Madalena, ela estava condenada pela multidão por causa dos erros que ela havia cometido. E o que ele fez? Como um único olhar, um único gesto, ele devolveu à aquela mulher a capacidade de acreditar nela. “Ah, ela é prostituta. Ela foi encontrada na prostituição e será apedrejada em nome da lei de Moisés. Nós temos o direito de matar essa mulher, a multidão dizia”. E Jesus sem dizer uma única palavra, convenceu aquela mulher que ela deveria continuar a vida dela, que ela tinha o direito sim de se levantar daquele chão de humilhação e retomar a sua vida, fazendo uma nova história acontecer. Mas, o que que ele precisou fazer para que ela se encorajasse? O que ele precisou fazer para ela prestasse atenção no que ele tinha a dizer a ela?  Veja bem,  Jesus não teve voz para dizer alguma coisa. Porque, o que é a voz de um homem diante de uma multidão que grita? Não dá para ouvir. No meio da multidão, uma voz fica perdida. Era o que acontecia naquela hora. Jesus não tinha como fazer aquela mulher entender o que ele gostaria de dizer a ela. Era ele contra a multidão. A multidão que condenava, a multidão hipócrita, aquela multidão legalista, que usava da religião para poder humilhar alguém, que utilizava-se da religião para esconder todas as suas podridões e apontar a do outro. Porque, às vezes minha gente, a religião é o contexto da crueldade. Tantas pessoas que se dizem religiosas e se sentem no direito de serem cruéis umas com as outras por causa da religião que pratica, por se sentir melhor que o outro. Isso é naturalmente contraditório. Quando mais a gente cresce no processo religioso, quanto mais Deus entra no coração da gente, maior é a capacidade que a gente tem de amar aqueles que são imperfeitos, como nós, ainda que a gente já tenha superado mais as nossas impurezas do que ele. Religião não pode nos dar o direito de sentirmos melhor que ninguém. Eu por causa da minha religião, por causa da espiritualidade que vivo,  por ser padre, eu não tenho o direito de me sentir melhor que você. Deus conhece o meu coração, Deus conhece o seu . Quem garante que eu sou melhor diante do senhor? Ninguém.  É melhor conviver com a dúvida, porque quando eu olho para um pecador, quando eu olho para um miserável, que comete crimes que eu não cometo, eu não posso me sentir no direito de achar que eu sou melhor que ele. Sabe porque? Porque eu carrego comigo todas as fraquezas que podem me tornar um criminoso da noite para o dia. Se eu não zelo diariamente por mim, para que eu faça as melhores escolhas, se eu não zelo diariamente por mim, para que eu também não me vicie naquilo que pode me destruir, se eu não zelo pelo meu amor próprio dia após dia, eu também posso me transformar num monstro da noite para o dia.  O que Jesus fazia naquele momento era isso: ensinava aquela multidão religiosa que ninguém, absolutamente ninguém tem direito de matar por causa do pecado cometido. Mas ele não podia dizer. Ele só teve condições de olhar. E ali ele estabeleceu a comunicação mais perfeita que um ser humano pode oferecer a outro. Porque às vezes, nas palavras, a gente se equivoca. Eu posso falar difícil, você não entender. Ou eu posso falar simples demais e você não entender. Você tem todo o direito de dizer “Padre, eu não entendi o que você me disse”, mas jamais vai poder me dizer “Padre, eu não entendi o jeito como você me olhou”.

Quando você olha para alguém ou você abraça, ou você expulsa. Não adianta sua boca dizer uma coisa, se o seu olhar diz outro. Ou você acolhe, ou você rechaça. Ou você ama, ou você odeia.

Naquele momento, Jesus utilizava da arma mais poderosa que o ser humano tem: a palavra que sai pelo olho. A palavra que sai pela boca pode ser mentirosa. Ela pode ser dita para enganar. Agora o olhar, não. É igual você querer mentir para a sua mãe olhando nos olhos dela, não consegue. Porque no olhar, a gente não tem disfarces,  o olhar não conhece disfarces. Naquele momento, ao olhar para aquele mulher, lhe ofereceu a comunicação mais perfeita que um ser humano pode dar a outro: olhou e acreditou. “Minha filha” ele dizia sem dizer uma palavra “eu conheço os seus erros, eu conheço a sua vida e não há nada que você tenha feito até o dia de hoje , que lhe dá o direito de acreditar na condenação da multidão. não há nada que você tenha feito até o dia de hoje , que lhe dá o direito de dobrar-se diante desta condenação injusta. Levanta daí, tome o seu lugar. Levanta desse chão da humilhação, levanta desse chão que a falta de amor próprio lhe fez chegar. É para cima que se anda”

Se você não foi amada até o dia de hoje, levante-se, ame-se, reconstrua o seu coração para que você tenha condições de ser amada por alguém. Porque também isso é verdade, pode ser um clichê, mas não é possível a gente ser amado por alguém, a gente nunca vai se sentir amado por alguém, se antes a gente não se dedicou ao amor próprio. Há coisas que nós precisamos que não são os outros que poderão nos oferecer.  Somos nós que precisamos nos dar. Tantas vezes os nossos relacionamentos não dão certo porque a gente é um poço de carência, porque a gente não se ama e faz de tudo para que o outro complemente esse espaço que só nós podemos preencher. O amor do outro é um complemento, ele tem que se encontrar com o amor que eu tenho por mim. Aí sim eu me sinto realizado. Caso contrário, eu serei um poço sem fundo. E eu eternamente exigirei do outro aquilo que eu deveria me dar. “Me respeite!” tá bom, mas antes se respeite. Mesmo porque às vezes, muitos desrespeitos nos chegas, acontecem porque a gente não se respeitou antes. As agressões que o outro nos oferece, um dia a gente permitiu, um dia a gente aceitou. Jesus fazia isso com aquela mulher: levante-se desse chão, recomece a sua vida, ame-se. Nunca é tarde para você redescobrir o valor que você tem. Eu sei que às vezes a gente vive historias que não contribuem em nada com esse amor próprio. Às vezes a gente passa um vida inteira vivendo traições, traições e traições, e aquilo vai cavando um buraco  dentro de nós, vai gerando um descredito terrível. Levante a sua voz para dizer que você é um território santo, que você é um território sagrado, e que às vezes é muito melhor andar sozinho do que mal acompanhado. Permita que a sua voz interior, essa que de vez em quanto dá um conselho através de você mesmo, na sua consciência, ou até mesmo através de pessoa que te amam, que te recordam que você precisa se amar um pouco mais, que você precisa demarcar o território para que o outro não seja um invasor da sua alma. Um invasor da sua alma não é bem vindo. Se tiver que entrar na sua vida, que seja pela porta da frente, pelo coração. Se tiver que entrar na sua vida, que seja para ajudar a você a ser uma pessoa melhor, se não, fica de fora. Se for para entrar na sua vida, que seja para fazer com você o que Deus quer que seja feito. Os melhores amigos que nós podemos ter na vida, é fácil reconhece-los: são aqueles que promovem o que há de melhor em você. São aqueles que fazem você chegar no lugar que Deus preparou para você.